segunda-feira, 20 de julho de 2009

Os ombros sustentam O mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. Tempo de absoluta depuração.Tempo em que não se diz mais: meu amor.Porque o amor resultou inútil.E os olhos não choram.E as mãos tecem apenas o rude trabalho.E o coração está seco. Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.Ficaste sozinho, a luz apagou-se,mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.És todo certeza, já não sabes sofrer.E nada esperas de teus amigos. Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?Teus ombros suportam o mundoe ele não pesa mais que a mão de uma criança.As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifíciosprovam apenas que a vida prosseguee nem todos se libertaram ainda.Alguns, achando bárbaro o espetáculoprefeririam (os delicados) morrer.Chegou um tempo em que não adianta morrer.Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.A vida apenas, sem mistificação.Carlos Drummond de Andrade

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